♡ sobre a coragem de ser (vista como) uma iniciante
e o desafio de continuar sendo — até não ser mais
desde que me lembro, nunca fui do tipo de pessoa que acredita em talentos e dons inatos. sempre tendi a enxergar a competência das pessoas — minha e dos outros — como habilidades que poderiam ser aprendidas e aprimoradas, contanto que eu tivesse a oportunidade e a dedicação para praticá-las com frequência por tempo o bastante.
e ao longo dos anos, essa minha forma de ver as coisas apenas se intensificou. ainda hoje, acredito que a única coisa capaz de me impedir de aprender a fazer algo que eu queira é se eu mesma decidir parar de tentar — ainda que, algumas vezes, essa decisão acabe sendo influenciada também por motivos externos, como a falta de tempo e dinheiro.
porém, além dos motivos internos mais comuns — preguiça, impaciência e frustração com o processo de aprendizagem —, venho observando que há também um outro fator que tem um impacto bastante determinante sobre o quão provável (ou improvável) é eu conseguir me manter constante no aprendizado daquela determinada habilidade.
esse fator é o que eu venho chamando de “necessidade de ser vista como uma iniciante”.
pelo que vim observando, eu tenho muito mais facilidade — e uma probabilidade muito maior — de me manter progredindo no desenvolvimento de uma habilidade se ela não exigir que eu seja vista como uma iniciante.
mas o que exatamente significa isso?
ao meu ver, existem habilidades que podem ser praticadas sozinho, sem que você precise se expor de forma alguma diante dos olhos de outras pessoas, podendo em vez disso se aprimorar em privado e trazer à público apenas os resultados que você vê com orgulho. podendo assim revelar essa habilidade apenas depois que já se considerar bom nela, sem nunca precisar mostrar aos outros sua fase de iniciante, se não quiser. essas habilidades são coisas como desenhar, pintar, escrever, tricotar, tocar um instrumento musical, cozinhar…
claro que, se escolher aprender essas coisas diretamente com um professor, acabará se expondo diante dele. mas, com as possibilidades que a internet oferece atualmente, também é possível encontrar alternativas — como tutoriais e cursos online pré-gravados — nas quais isso não precise acontecer.
mas, por outro lado, existem as habilidades que necessariamente envolvem algum nível de exposição ainda durante a fase em que você é um iniciante. são habilidades como falar em público, divulgar e vender produtos, ensinar, se comunicar com outras pessoas em geral…
se você quiser, é possível praticar desenho ao ponto de se tornar competente nisso sem precisar mostrar seus primeiros rabiscos para ninguém. é possível tricotar vários cachecóis inteiros sem que você precise mostrar para outra pessoa todos os buracos não intencionais que acabaram se formando nas suas primeiras peças.
mas não é possível praticar comunicação e desenvolver essa competência sem que outra pessoa participe da conversa desde o início. também não é possível se tornar um bom vendedor sem que você precise interagir com um cliente em potencial desde as primeiras tentativas. nem é possível se tornar um bom professor se você não tiver outras pessoas te ouvindo desde as primeiras aulas, quando muitas delas ainda podem achar suas explicações confusas e pouco claras.
a questão é que, de forma geral, toda habilidade exige prática constante para ser aperfeiçoada. mas além disso, algumas delas também exigem que você lide com o possível julgamento alheio muito mais do que outras. e isso pode ser um grande desafio. ao menos para mim, eu sei que é — pois percebi que todas as coisas que eu me considero boa em fazer são justamente aquelas que não exigem isso, e todas aquelas que eu me considero ruim, exigem.
observando isso penso que, talvez, a habilidade que eu precise focar em desenvolver agora seja justamente a coragem para conseguir ser vista como uma iniciante — porque só assim vou conseguir progredir nas outras competências que ainda quero aprender e aperfeiçoar.
♡ sobre a frustração dos começos
acredito que todo início envolve certo nível de frustração, principalmente quando não se é mais criança — pois, ao menos na minha experiência, quanto “mais adulta” eu me torno, menos tempo livre eu tenho. e, por consequência, se eu dedico tempo a aprender algo novo e demoro a ver resultados satisfatórios, fico frustrada não só pelos resultados obtidos, mas também pela sensação de ter “desperdiçado” o tempo que eu poderia ter usado em qualquer uma das mil outras coisas que também tenho para fazer além daquilo.
quando eu era criança os processos eram muito mais importantes que os resultados, porque eu tinha todo o tempo do mundo, e as coisas que eu fazia tinham justamente o objetivo de ocupar meu tempo livre e me livrar do tédio. mesmo que eu ficasse um pouco incomodada com um resultado ou outro, isso não me fazia sentir que tinha perdido tempo. e dificilmente reduzia minha vontade de gastar ainda mais tempo tentando de novo.
desde aquela época, acredito que eu conseguia lidar bem com a frustração causada pelo fracasso de uma tentativa — ou talvez tenha aprendido a lidar ao longo do processo, com toda a prática.
ainda hoje, sinto que não tenho muitas dificuldades em lidar com a minha própria frustração. mas quando essa frustração precisa necessariamente envolver outras pessoas, as coisas começam a mudar…
♡ sobre a frustração de frustrar os outros
na vida, as pessoas estão todas em fases diferentes, com cada uma apresentando um conjunto único de competências e dificuldades específicos. e todas essas pessoas precisam conviver todas juntas, lidando diariamente não só com a frustração das suas próprias “incompetências” e “fracassos” individuais, mas também com a frustração presente nas interações umas com as outras.
na sociedade, ninguém consegue fazer tudo sozinho. uma hora ou outra você vai precisar depender das competências de outra pessoa — seja ela uma médica, uma cabeleireira, uma fornecedora de embalagens, ou mesmo uma amiga com quem conversar.
toda vez que você precisar de algo que não seja capaz de fazer por si mesmo, terá que depender de alguém com a capacidade de fazer aquilo por você. e quando isso acontecer, provavelmente você vai estar esperando que aquela pessoa te ofereça o melhor resultado possível — o que, infelizmente, nem sempre irá acontecer.
porém, quando pensamos nessa situação, é importante lembrar que, em algum momento da vida, você também vai ser essa pessoa que está sendo procurada para oferecer algo que outro alguém está precisando — seja um produto, um serviço ou mesmo uma “simples” conversa.
e eu, pelo menos, acho bastante cruel exigir que alguém esteja no seu ápice em tudo e em todos os momentos.
até porque, a única forma de se tornar bom em algo é começar sendo ruim, mas escolhendo continuar mesmo assim. e, como mencionei anteriormente, em alguns casos você sequer terá a escolha de esconder seus “fracassos” e resultados não tão bons durante esse processo de evolução.
então, acho muito importante repensar algumas vezes antes de fazer qualquer comentário desestimulante sobre o desempenho de alguém que ainda está só começando.
e digo isso reconhecendo que eu mesma já fiz comentários desse tipo algumas vezes, pois certas coisas se tornaram tão fáceis e naturais para mim ao longo do tempo que às vezes chegava a esquecer que para algumas outras pessoas aquilo era um enorme desafio. da mesma forma que, para mim, alguns dos meus maiores desafios — como começar e manter uma conversa — são vistos como coisas extremamente simples pela maioria das pessoas que eu conheço, apenas porque para elas já se tornou fácil e natural.
♡ sobre a importância de ser gentil
não estou sugerindo de forma alguma que não temos o direito de reclamar ou criticar trabalhos mal feitos — principalmente quando esse trabalho foi pago —, nem que devemos ser complacentes e dar infinitas “segundas chances” para quem claramente não está sequer tentando melhorar.
mas ao meu ver, existe uma enorme diferença entre o “resultado ruim” de alguém que fez o melhor que podia naquele momento, está disposto a continuar tentando e provavelmente irá alcançar um “resultado bom” muito em breve se ele continuar tendo a chance de praticar; e o “resultado ruim” de alguém que fez aquilo só por obrigação, usando o mínimo de esforço porque não queria perder muito tempo ou energia naquele processo, e que provavelmente vai continuar te oferecendo esse mesmo tipo de resultado por muuuuito tempo caso você continue aceitando.
infelizmente, nem todas as vezes que você se deparar com algo que pareça desengonçado ou mal feito será possível ter certeza sobre qual desses dois é o caso — o trabalho de um iniciante ou um trabalho deliberadamente desleixado.
mas, nessas situações, a melhor escolha provavelmente será dar o benefício da dúvida e ser gentil. pois sempre haverá a possibilidade daquela ser uma das únicas oportunidades que a pessoa tem de praticar aquela habilidade específica. e talvez você seja justamente a pessoa que ela escolheu para vê-la naquele momento — quase sempre — extremamente constrangedor e vulnerável.
talvez ela só não tivesse outra escolha. ou talvez ela realmente confiasse em você.
♡ obrigada e até logo!